Vanguardas artísticas: o caso russo

A revolução social e política pode estar apartada da revolução artística?
A Rússia revolucionária põe essa questão na ordem do dia.
Conheça abaixo um texto do artista multimídia Vladímir Maiakóvski, de 1918:


Carta aberta aos operários (Vladímir Maiakóvski, 1918)

Companheiros!
O duplo incêndio da guerra e da revolução esvaziou nossas almas e nossas cidades. Os palácios do luxo de ontem estão aí qual esqueletos calcinados. As cidades devastadas esperam novos construtores. O turbilhão revolucionário arrancou dos espíritos as raízes nodosas da escravidão. A alma do povo aguarda uma semeadura grandiosa.
Dirijo-me a vocês que receberam a herança da Rússia, a vocês que amanhã (acredito!) se tornarão os donos do mundo inteiro, e pergunto: com que edifícios fantásticos hão de cobrir o lugar dos incêndios de ontem? Que músicas e canções hão de espalhar-se das suas janelas? A que Bíblias abrirão suas almas?
Vejo espantado como da ribalta dos teatros ocupados ressoam “Aídas” e “Traviatas”, com toda espécie de condes e cavalheiros espanhóis, como nos versos aceitos por vocês, estão as mesmas rosas das estufas senhoriais e como saltam os olhos de vocês ante gravurinhas que representam a magnificência do passado.
Será que, amainadas as tempestades desencadeadas pela revolução, vocês sairão, em dias feriados, de correntinha sobre o colete, para jogar solenemente o críquete, diante dos sovietes distritais?
Saibam que para os nossos pescoços, pescoços de Golias do trabalho, não existem números adequados de colarinho nos guarda-roupas da burguesia.
Somente a explosão da Revolução do Espírito nos purificará das velharias da arte de outrora.
Que a razão vos proteja da coação física contra os restos da antigüidade artística. Entreguem-nos às escolas e às universidades, para o estudo da geografia, dos costumes e da história, mas vocês devem repelir indignados aquele que lhes oferecer esses objetos petrificados em lugar do pão da beleza viva.
A revolução do conteúdo - socialismo-anarquismo - é inconcebível sem a revolução da forma: o futurismo.
Disputem com avidez os pedaços da arte sadia, jovem e rude que lhe entregamos.
A ninguém é dado saber que imensos sóis hão de iluminar a vida futura. Talvez os pintores transformem a poeira cinzenta das cidades em arco-íris centicores, talvez das cumeeiras das montanhas então ressoe sem cessar a música tonitroante dos vulcões transformados em flautas, talvez obriguemos as ondas dos oceanos a ferir as cordas das redes estendidas entre a Europa e a América. Uma coisa está clara para nós: fomos nós que inauguramos a primeira página da novíssima história das artes.

Fonte: SCHNAIDERMAN, Boris. A poética de Maiakóvski. São Paulo: Perspectiva, 1971. (Debates) p.119-120. A carta foi originalmente publicada no primeiro e único número da Gazeta futuristov (Jornal dos futuristas) de 15 de março de 1918.

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